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A música é uma oferenda – uma crônica antigolpe

A música é uma oferenda – uma crônica antigolpe

Artigo escrito pelo jornalista e músico Roger Marza

Um saxofonista certa vez descobriu que existia meditação até na Umbanda, guiada pelos Orixás. Isso foi em uma época em que um vírus mortal passou pela Terra, confinando todos em suas casas. E foi inspirado nessas meditações que ele criou o seu primeiro disco, com sons da natureza e do Universo profundo, tudo dentro de seu quarto e de sua mente. Exu, o mensageiro entre os Orixás, ensinou-lhe que o seu som tem uma conexão espiritual, invisível como o vento de Iansã e transparente como as águas de Oxum.

O músico, no entanto, percebeu o quão difícil era levar o seu som para o mundo, que mais parecia o antigo pregão da Bolsa de Valores, onde havia muito ruído e onde tudo é mercadoria. O saxofonista não desistiu, teve experiências transcendentais em suas apresentações ao vivo, fossem elas presenciais, online, pagas ou gratuitas. Sua música, no entanto, era pouco ouvida nos aplicativos de música.

Certo dia, ele acordou e descobriu que uma de suas músicas estava numa playlist chamada “Chart Promotion”, que fora produzida pela empresa estrangeira Chart Mob. Em um curtíssimo prazo de dois dias, o número de ouvintes no Spotify havia crescido exponencialmente, com “ouvintes” nos quatro cantos do mundo, onde o músico jamais imaginou que chegaria.

Mas a alegria transformou-se em dúvida: por que o número de ouvintes cresceu tão rápido? E por que ele sentia que algo ali não soava tão verdadeiro quanto suas notas? Com um sopro no sax e um ponto riscado dedicado à Iansã, o músico se recolheu. Não queria atalhos tortos nem aplausos forjados. “Prefiro caminhar devagar, mas com verdade,” ele pensou.

Exu, o mensageiro dos caminhos, cruzou então os sonhos do saxofonista. Exu, que tudo via e compreendia, sorriu com a situação, dando aquelas gargalhadas gostosas de quem é experiente nos melindres da condição humana. Era raro encontrar alguém disposto a resistir às facilidades tentadoras.

E, no sonho, enquanto dirigia um carro de aplicativo por uma ponte infinita sobre o mar, Exu tomou o celular do músico e lhe disse: “Há sempre dois caminhos. Um é rápido, cheio de brilho falso e passos escorregadios. O outro é longo, mas te leva até os corações verdadeiros. Qual escolhes?”

“Escolho a verdade, Exu. Quero que minha música toque não os bots, mas as almas. Que chegue como um presente, não como uma mercadoria”, respondeu o saxofonista, sem hesitar. “Então, teu caminho está traçado. Toca com o coração, e aqueles que te ouvirem saberão. Mas lembra-te: a música é um mensageiro, como eu. Use-a para abrir caminhos, e pede a quem a escutar que a leve adiante. Não precisas de atalhos quando tens fé no teu som.”

No dia seguinte, o saxofonista despertou com uma certeza reforçada: sua música realmente é uma oferenda ao mundo. Postou uma mensagem simples para seus ouvintes: “Se minha música te tocou, compartilhe com quem você ama. Vamos juntos abrir caminhos, com som e alma.” E assim, o saxofonista caminhou, com os Orixás sussurrando em cada sopro de seu sax, lembrando-o que o maior palco é o coração de quem ouve.

Cores da Cura – https://tratore.ffm.to/coresdacura

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