Seus pais são separados?
Roger Marza
Por muito tempo, sofri com isso e revivi traumas de infância quando me tornei pai. Mas, com o tempo, percebi que a separação trouxe novas possibilidades e me permitiu conhecer um novo pai maravilhoso, além de abrir caminhos para uma vida com mais liberdade. A separação, em muitos casos, é o melhor caminho, especialmente diante da violência contra a mulher e da homofobia. O Brasil é um dos países com os maiores índices de feminicídio e o que mais mata pessoas LGBT no mundo. Quando eu era pequeno, sonhava que, no futuro, não haveria mais machismo, conservadorismo e violência contra mulheres e crianças. Mas hoje, aos 51 anos, vejo que essa é uma luta constante, porque a ignorância parece crescer a cada dia.
De acordo com o Anuário da ONU Mulheres de 2023, lançado em novembro do ano passado, mais de 51 mil “pessoas do gênero feminino foram mortas por seus parceiros ou membros da família em 2023”, o que equivale a 140 mulheres mortas todos os dias no mundo. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 informou que o número de feminicídios no ano retrasado aumentou no país, chegando a 1.467 vítimas, maior resultado desde 2015.
De acordo com dados do Portal do Senado, “as mulheres negras são as principais vítimas das violências direcionadas ao gênero feminino no país, somando 66,9% dos casos registrados” no Brasil. Em 1980, por exemplo, lembro-me de uma amiga negra de minha mãe, que foi assassinada pelo ex-marido a caminho do trabalho. A irmã dessa moça, cuja morte me deixou chocado, formou-se Enfermeira, e foi uma das que cuidaram de minha mãe em sua penúltima internação antes de sua passagem, em de 2021.
Já o Observatório de Mortes e Violência LGBTI+ informa em seu “Dossiê de LGBTIfobia Letal” que, durante o ano de 2023, ocorreram 230 mortes LGBT de forma violenta no Brasil. “Dessas mortes 184 foram assassinatos, 18 suicídios e 28 outras causas. Este material é resultado de um esforço coletivo de produção e sistematização de dados sobre a violência e a violação de direitos LGBTI+.” O preconceito ocorre, muitas vezes, dentro de casa, é onde começa a violência física e psicológica.
Por outro lado, enquanto o álcool, café e cigarro são uma das drogas liberadas mais consumidas no Brasil, ainda há preconceito contra o uso da cannabis. A dose é sempre o elo entre o benefício e o malefício, mas muitos buscam nas drogas lícitas e ilícitas formas de preencher o vazio e a tristeza de viver relações tóxicas. De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas 2024, lançado em junho do ano passado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), o “surgimento de novos opioides sintéticos e oferta e demanda sem precedentes por outras drogas agravaram o impacto do problema mundial das drogas, levando a um aumento nos transtornos associados ao uso de drogas e danos ambientais”.
“Globalmente, mais de 292 milhões de pessoas usaram drogas em 2022, um aumento de 20% em relação à década anterior. A canábis continua a ser a droga mais consumida em todo o mundo (228 milhões de usuários), seguida dos opioides (60 milhões), das anfetaminas (30 milhões), da cocaína (23 milhões) e do ecstasy (20 milhões de usuários)”, informa o relatório. Já o estudo Estimação dos custos diretos e indiretos atribuíveis ao consumo do álcool no Brasil, realizado pela Fiocruz Brasília divulgado no ano passado revelou que ocorreram “104,8 mil mortes em 2019 no Brasil, o que significa uma média de 12 óbitos por hora”. Naquele ano, o custo estimado de internações, cuidados hospitalares no SUS, custos previdenciários, entre outros, era da ordem de R$ 20 bilhões ao País. Sem contar a miríade de fórmulas da indústria farmacêutica, drogas muitas vezes mais pesadas e que causam mais vício que drogas ilícitas.
Na música “Separação”, que está no EP “Oceano em Nós”, que será lançado no dia 28 de fevereiro, o som do mar aparece em três momentos distintos, marcando o nascimento e infância, a separação e a paternidade. Mais do que uma transição entre fases, ele representa o poder de criação de Iemanjá e seu papel na transformação da vida. Além disso, o som do mar tem um efeito profundo: ajuda a reduzir a ansiedade e promove espaços meditativos.
Que fique claro que nem tudo que é negativo é reflexo de uma separação, obviamente, embora os traumas e abusos relacionados à família têm grande envolvimento na decisão pelo entorpecimento dos sentidos ou uma busca por uma fuga à realidade quando não há acompanhamento de um terapeuta.
Quem se separa ou cresce em uma família não convencional precisa buscar o equilíbrio na liberdade de ser quem sonha ser, livre das amarras de tradições rígidas e preconceitos. A família não é só papai, mamãe, filhinho e titio; a opção sexual não é uma determinação biológica; nem todas as drogas provocam prejuízos significativos em comparação à uma relação tóxica e de drogas lícitas ou ilícitas. A música “Separação”, uma improvisação livre que nunca mais se repetirá, é para você que se separou ou nasceu em uma família de pais separados, que está em busca do equilíbrio. Até porque, como dizia Vinicius de Moraes, há sempre um novo amor de braços abertos a te esperar, especialmente se esse for o amor próprio.
Ouça neste link na sexta-feira: https://tratore.ffm.to/oceanoemnos
Roger Marza – Jornalista e saxofonista que faz música com sons da natureza e estudante de Pós-Graduação em Musicoterapia da Faculdade Mozarteum de São Paulo
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