Música Azul: quando o amor de mãe se transforma em referência em musicoterapia
Roger Marza
O que uma mãe pode fazer para ajudar um filho? A capixaba Luciana Lopes se tornou musicista e tinha um trabalho em um cartório com salário satisfatório. Mas, ao descobrir que o filho havia sido diagnosticado no espectro autista, ela trilhou uma jornada incrível, que a levou a criar o projeto Música Azul, referência da Musicoterapia no atendimento de crianças e jovens no transtorno do espectro autista (TEA) no Espírito Santo e que, a cada dia, inspira novas iniciativas em todo o Brasil.
No dia 20 de abril, Luciana ainda lançará no canal do YouTube do Música Azul três videoclipes de animações infantis inspiradas em suas sessões de musicoterapia. No dia 1º de fevereiro de 2025, dia do meu aniversário, eu me dei de presente um curso do projeto Música Azul, que foi realizado no consultório da musicoterapeuta e professora Lourdes Vigatto, em São Paulo. É um projeto belíssimo, que une a música, improvisações e contação de histórias que, quando aplicadas em grupo, têm a potência de transformar vidas. Mas, até chegar a esse ponto, foi um longo caminho.
Luciana não era advogada, como muitos pensavam, mas chegou a atuar por oito anos em um cartório de registros. Paralelamente, formou-se em Licenciatura em Música e passou a dar aulas. Em 2009, nasceu seu filho. Aos poucos, ela começou a perceber que havia algo diferente em seu desenvolvimento: “A fala era bem embolada, e a gente não conseguia compreender o que ele estava falando”, lembra. Foi apenas mais tarde, após um longo percurso entre consultas e terapias, que veio o diagnóstico de autismo.
Com uma rotina intensa entre cartório, aulas de música e cuidados com o filho, Luciana percebeu que precisava estar mais presente. “Eu fui percebendo que não tinha mais como ficar me refugiando da situação. Eu tinha que entender o que estava acontecendo com o meu filho.” Decidiu então, junto ao marido, deixar o emprego estável para mergulhar na maternidade e buscar alternativas de cuidado que não se restringissem às abordagens convencionais. “O projeto Música Azul surgiu num momento assim, de que eu falo que é uma dor pessoal, foi muito forte. O start que eu tive para pensar assim foi: para tudo, não dá para continuar do jeito que está. Então, quando ele tinha 5 anos e meio, eu tomei a decisão de sair do cartório”, conta a musicoterapeuta, musicista e compositora ao Blog do Marza.
A virada começou quando seu filho respondeu, pela primeira vez, a uma pergunta feita por Luciana… cantando. “Como mãe, numa situação bem intuitiva, eu usava muito a música no meu ambiente de casa. Então, eu cantava muito para ele. Eu conversava com ele cantando, eu fazia perguntas para ele cantando, até que um dia ele me respondeu cantando. E aí eu falei, opa, abrimos um canal de comunicação”, lembra.
A partir dessa intuição, ela passou a usar a música como ponte afetiva. Esse processo pessoal coincidiu com o aprofundamento em terapias da medicina integrativa, que ajudaram a revelar também uma série de alergias alimentares que, uma vez tratadas, trouxeram avanços surpreendentes no desenvolvimento do filho.
Mas foi em 2017 que o embrião do projeto começou a se formar. Luciana levou o filho a uma oficina de musicalização e percebeu que as crianças autistas reagiam especialmente bem quando o conteúdo musical envolvia estímulos sensoriais e corporais — como tecidos coloridos, sons suaves e movimentos lúdicos. “Ali foi um laboratório. Vi que o que fazia sentido para elas era experimentar a música com o corpo”, diz.
No ano seguinte, incentivada por uma educadora e pela coordenadora de uma escola de musicoterapia, Luciana começou a estruturar o que viria a ser o Música Azul. Ganhou uma bolsa integral para cursar musicoterapia e iniciou os primeiros grupos em Vitória. A proposta cresceu rapidamente e passou a integrar o programa de responsabilidade social de uma faculdade, ganhando espaço, voluntários e reconhecimento.
A metodologia do Música Azul foi se desenhando a partir da prática: sessões com contação de histórias, músicas compostas por ela especialmente para os grupos, atividades que equilibram agitação e repouso, brincadeiras com elementos sensoriais e instrumentos musicais. “Não podia ser algo aleatório como uma playlist. Eu precisava de um fio condutor para cada encontro. Então comecei a compor canções que atendessem às necessidades reais das crianças.”
O diferencial da abordagem de Luciana foi unir a escuta clínica à criação artística. Tão importante quanto, é a inclusão de irmãos de crianças com espectro autista na metodologia, bem como outras crianças típicas, ou seja, sem TEA, para que ocorra uma integração. E o resultado foi tão positivo que ela organizou apresentações públicas com as crianças, algumas delas ao lado da Banda AzudaLú — um grupo formado para acompanhar os pequenos. “Tinha pai chorando. Era a primeira vez que o filho conseguia participar de uma apresentação artística. Muitos pais carregam frustrações de ver os filhos excluídos nas escolas, e ali eles estavam brilhando no palco.”
Hoje, o Música Azul virou método. Está registrado como curso e tem se espalhado pelo Brasil. “Eu dou suporte para os alunos por um ano. Quero que eles não só apliquem o método, mas que desenvolvam um raciocínio clínico próprio. Não adianta só ter o material. É preciso observar cada grupo, entender suas necessidades e adaptar.”
A proposta também tem se expandido para outros públicos, como adultos e idosos. Luciana, que se tornou compositora por necessidade, segue criando repertórios sob medida para cada fase do projeto. “A necessidade fez o sapo pular. Eu precisava de músicas com características específicas, e não encontrava. Então comecei a compor.”
A vivência intensa com os grupos transformou a forma como Luciana enxerga a musicoterapia. “Muita gente me dizia: isso não é musicoterapia porque entre músicas e sons há contação de histórias. Eu era questionada por estar inserindo outros elementos que não fossem estritamente musicais. E isso me doía. Mas fui buscar nos teóricos: Even Ruud, Kenneth Bruscia, Lia Rejane. E descobri que a musicoterapia é isso, sim: é perceber o outro e construir, com ele, um caminho a partir do som.”
Hoje, ela forma outros profissionais com a proposta de que cada um possa trilhar seu próprio caminho com escuta, criatividade e afeto. “O mais importante é a gente pertencer a algo. E proporcionar, para as crianças e seus familiares, essa sensação de pertencimento, de que ali há um espaço seguro onde elas podem viver, brincar, se expressar.” Luciana segue tocando o projeto com a leveza de quem sabe que a música, quando nasce da escuta e da intenção, tem o poder de abrir caminhos que antes pareciam fechados.
* Roger Marza é jornalista, músico que improvisa com paisagens sonoras da natureza e estudante de Pós-Graduação em Musicoterapia da Faculdade Mozarteum de São Paulo
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Dia 16/04/2005, lancei no Bandcamp uma música “musicoterápica” para uma querida amiga – Amor de Cecis

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