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O mundo, essa “Saudosa Maloca”

O mundo, essa “Saudosa Maloca”

Roger Marza

“Saudosa Maloca”, filme de Pedro Serrano, com participações incríveis de Paulo Miklos, Gero Camilo e Gustavo Machado, é extremamente poderoso, pois potencializa o drama vivido por Adoniran Barbosa e expresso neste seu samba inesquecível de mesmo nome. No samba e na película, os amigos Mato Grosso e Joca são surpreendidos pela demolição da construção caindo aos pedaços na qual ocupavam, enquanto o bairro do Bexiga era dragado pelo “progresso”.

A genialidade de Barbosa, que chegou a dormir no sofá da Radio Eldorado, segundo conta histórias de um querido amigo que lá trabalhou, é a de fazer graça e uma música alegre, mas cuja letra carrega tanta sabedoria sobre a condição do povo no Brasil que não tem onde morar, ocupando prédios com alto grau de degradação, encostas de morros, do povo oprimido nas vilas, favelas. Sim, pode emendar, “da força da grana que ergue e destrói coisas belas”.

Com os recentes acontecimentos no País e no planeta Terra, penso que o mundo todo é um tipo de Saudosa Maloca. A mesma marreta que derrubou o abrigo de Adoniran e seus amigos é o que constrói muros nas fronteiras, perfura poços de petróleo, determina que só existem os sexos masculino e feminino, escamotea programas maliciosos em aplicativos que usamos no celular – ingênuos em acreditar que existe almoço gratuito -, deporta imigrantes.

No mesmo Bexiga, não me lembro se foi em 2015 ou 2016, assisti uma peça incrível, a mais impactante que vi em toda a minha vida: “Como Milhares de Cães Vindos do Mar”, texto do romeno Matéi Visniec, encenação do grupo Os Barulhentos, cujos personagens são vítimas do totalitarismo, da violência causada pela guerra e migrações.

No início de janeiro, minha companheira compartilhou comigo uma palestra ótima de Visniec. Há 7 anos, Visniec comentou, em live sobre o seu livro “Migraaaantes”, transmitida pela É Realizações Editora, que aos 19 minutos de transmissão, lembrou à plateia que além de escritor e dramaturgo, ele é também jornalista na França.

“Há 30 anos sou jornalista na Rádio França Internacional e estou em contato com o mundo. E esse contato com o mundo, prá mim como jornalista, é tóxico. Ser jornalista por dois, três anos, tudo bem, mas depois de dez anos, sabemos que o mundo não está girando muito bem. Depois de 15 anos, a gente diz: o mundo é louco mesmo. Depois de 20 anos, o mundo é louco e não tem jeito de sair disso. Depois de 30 anos, tem que trocar de trabalho. Falar por 30 anos sobre a miséria do mundo sem ter soluções é bem doloroso. É o meu caso como jornalista”, diz o artista.

“Felizmente também sou escritor, autor. O autor que impede o jornalista de se suicidar. Porque o escritor diz para o jornalista: para, porque o mundo é louco, mas é também cômico; o homem é bobo, mas é bonito também; a humanidade está à deriva, mas é o homem que cria a arte, o amor, vale a pena viver por isso, nem tudo está perdido. Há duas pessoas que me habitam, o jornalista que não entende o mundo, mas alimenta o escritor que há dentro de mim. O autor entende mais que todos os outros. Por isso que acho tão importante a palavra, o romance, a poesia; se vocês querem entender o mundo tem que ler poesia, ir ao teatro e parar de ler o jornal (risos). Se vocês querem entender a complexidade da alma humana, tem que ler os clássicos, as respostas estão lá. Somos prisioneiros de uma vida rápida e temos que encontrar respostas na literatura, mas as crianças não se descolam das telinhas, uma forma de manipulação nova que me deixa perplexo.”

Considerando que comecei a escrever em jornal no segundo ano de faculdade, em 1994, lá se vão 31 anos de jornalismo. Por sorte, encontrei a música e um pouco de literatura que, se não consigo com elas entender ainda o mundo, posso expressar o que sinto, desde de traumas de infância, parte que serão revelados sonoramente no EP Oceano em Nós, cujo pré-save já está liberado, quanto buscar transmitir paz e amor às pessoas que estão dispostas a ouvir.

Por isso, convido você a assistir o Meditashow Viagem no Vento: Oceano em Nós, evento musical online ao vivo nesta sexta, dia 7 de fevereiro, às 20h, no meu canal no YouTube. Embora haja tanto desencontro na vida, tanta violência, ofereço alguns minutos com sons de mar, rio e lago com a energia do meu sopro que, sem palavras, busca o equilíbrio, a calma, que muitas vezes não tenho, embora precisa ser cultivada frente a uma força descomunal que pretende destruir a Terra, nossa saudosa maloca em comum.

Link da Transmissão

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